por Moisés Morais
A recente reforma ministerial adotada pelo atual Presidente da República provocou muitos analistas políticos a tentarem decifrar se no futuro próximo haverá a intensificação de práticas autoritárias lideradas pelo governo central ou se, no Brasil, estamos na antessala de um golpe de Estado à moda antiga, que pode contar com o auxílio das Forças Armadas. Diante disso, é razoável considerar que há uma distância entre desejar e praticar um golpe de Estado aos moldes do que se desenvolveu, em 1964, no Brasil, muito embora governar com plenos poderes, controlando o parlamento, o judiciário e a imprensa seja o desejo de quem padece de alguma viuvez pelo AI-5.
Exala um ressentimento conservado em formol naqueles que todo dia 31 de março requentam e celebram o golpe de 1964, em um saudosismo que espera despertar condições para reeditá-lo. Mas, não é possível, em diferentes momentos, reproduzir processos políticos e sociais e alcançar resultados similares, tal como se combina substâncias em um laboratório. A história não se repete, ao menos que seja como uma farsa, como ironizou Marx. O atual contexto não é idêntico ao que se vivia em 1964: inexiste o apoio da grande imprensa nacional ou de uma grande potência internacional, tal como se vivia em tempos de Guerra Fria, para se legitimar uma escalada autoritária. O grande capital também indica que não possui interesse em mudanças no regime politico que possam promover mais instabilidade social e incertezas para o ambiente econômico. O seu endosso é para “golpes suaves”, semelhantes ao que se efetivou, em 2016, no Brasil.
parcela da cúpula militar quer evitar uma associação das Forças Armadas com a catástrofe humanitária em curso
No entanto, apesar dessa conjuntura, ensaios e insinuações de um possível fechamento do regime tende a continuar sendo evocado pelo atual Presidente da República, pois é um artificio funcional para a sua tentativa de permanecer no poder. Desse modo, ao manifestar afirmações nesse sentido, acalenta e mantém coesa a sua base eleitoral contagiada pelo espectro da extrema direita, ao mesmo tempo em que contém iniciativas de um eventual processo de impeachment, pois permanece pairando a dúvida se, em caso de um autogolpe, haverá apoio dos militares, quando estes não confirmam e nem desmentem com veemência as palavras do Presidente.
Certo que se evidenciou nos últimos dias o afastamento de alguns membros do alto comando das Forças Armadas. Ao que parece, o quadro catastrófico que a pandemia assumiu no Brasil foi decisivo para isso, pois uma parcela da cúpula militar quer evitar uma associação das Forças Armadas com a catástrofe humanitária em curso. Para frear o recuo do apoio dos militares o antídoto tem sido a nomeação massiva destes para cargos da administração federal. O último levantamento realizado em julho do ano passado pelo Tribunal de Contas da União já apontava a cifra de mais de 6 mil militares distribuídos em postos de diversos escalões do governo federal.
Evidentemente que o autoritarismo das elites politicas brasileiras é um continuidade histórica desde que o Estado Nacional foi institucionalizado, a partir de 1822, na ex-colônia portuguesa. A centralização do poder e a perseguição aos grupos de oposição foram recursos utilizados diversas vezes para viabilizar a manutenção de interesses das classes dominantes. Mas não parece que a reedição de um golpe de Estado consorciado com as Forças Armadas seja factível atualmente. Combinar o aparelhamento do Estado com militares e vocalizar insinuações de que estes podem atuar em apoio ao fechamento do regime politico tende a ser uma prática manejada pelo atual Presidente da República, pois enquanto o seu governo continuar privatizando e entregando as riquezas nacionais terá uma espécie de salvo-conduto para continuar cometendo esse tipo de absurdo.
Moisés Morais é Historiador e Professor. Mestre em História pela UNEB.
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